sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A verdade [PNDH3]

A verdade
Sérgio C. Buarque

O Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3) é um somatório desconexo de demandas de diversos segmentos da sociedade, mesmo assim, ou por isso, está gerando controvérsia e desagradando a vários outros grupos de interesse. Um dos pontos mais controversos é a criação de uma chamada Comissão da Verdade. Ninguém pode questionar a busca da verdade, mas a proposta do PNDH-3 pode levantar várias interrogações políticas - quem tem medo da verdade? - mas também uma grande pergunta filosófica: afinal o que é a verdade? A verdade, disse Marx, é escrita pelos vencedores que interpretam os fatos com o olhar enviesado da sua ideologia, reflexo dos interesses e da posição na sociedade. Contudo, num sistema democrático de uma sociedade complexa que permite a pesquisa histórica livre e independente, a verdade é o resultado de múltiplas e mesmo contraditórias observações e interpretações dos fatos, mudando também na medida em que novos fatos e eventos se tornam públicos.

Em outras palavras: não existe uma verdade absoluta a ser descoberta por nenhuma comissão, principalmente se esta comissão for formada apenas pelos vencedores de ocasião. Os historiadores, organizando o conhecimento disponível e com método de análise rigoroso (na medida do possível, despoluído das ideologias), estão avançando na direção e aproximação da verdade, tão mais próxima de conhecer a complexidade dos movimentos do passado, quando mais testados e submetidos à pluralidade de visões de mundo e de métodos de análise. Portanto, a busca da verdade exige abertura intelectual para confrontar as percepções e rever, continuamente, os fatos e os eventos. O debate de ideias com uma ampla e diversificada disponibilidade de informação e de interpretação, não descobre a verdade absoluta, mas aumenta o conhecimento sobre o passado das sociedades.

Analisando deste ponto de vista, o PNDH-3 tem um ponto correto e um aspecto preocupante. Está certo, embora não seja exatamente direitos humanos, quando defende a disponibilização e transparência de todas as informações sobre a história brasileira, para que os historiadores possam se debruçar sobre os fatos e eventos na sua análise do passado. No entanto, o PNDH-3 parece não confiar aos historiadores a pesquisa destes fatos e informações, remetendo para uma chamada Comissão da Verdade o poder de declarar e proclamar a verdade. Com a arrogância que costuma caracterizar os vencedores da ocasião, a comissão parece ser criada como a dona da verdade, uma verdade absoluta e definitiva.

Neste caso, ela já surge com a força de uma ideologia que, como todas, deforma, distorce e simplifica os fatos, refletindo uma intolerância com as diferenças de interpretação da realidade. Não se sabe a composição desta comissão - que pode moderar a arrogância e simplificação - mas se for instalada no governo do PT provavelmente será tão intolerante e arrogante quanto tem sido este partido e seus seguidores no tratamento dos seus críticos e no julgamento dos fatos históricos.

Como são os “donos da verdade”, os petistas não aguentam um questionamento e costumam qualificar todos os críticos como mentirosos e gananciosos, numa forma de "repressão moral e ideológica", desta forma, fogem e rejeitam o debate, empobrecendo a busca da verdade que tanto propagam (mas, eles já têm a verdade, por que discutir?). Tudo indica que a Comissão da Verdade já nasce com este DNA da arrogância de quem se considera o único portador da verdade absoluta no Brasil.

» Sérgio C. Buarque é economista e consultor

Fonte:

Jornal do Commércio

Nenhum comentário:

Postar um comentário