segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

“Ruim era quando as pessoas se sentiam impunes”

“Ruim era quando as pessoas se sentiam impunes”
Publicado em 06.02.2010

O presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Jones Figueiredo, transmite o cargo, na próxima quarta-feira, para o desembargador José Fernandes de Lemos. Na entrevista de balanço, concedida ao repórter João Valadares, Jones fala das dificuldades encontradas para tentar destravar uma das justiças mais lentas do Brasil, analisa a atuação forte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e explica o mecanismo de gestão e cobrança de resultados que está sendo implantado em Pernambuco. O presidente faz algumas ressalvas em relação à atuação do CNJ e reconhece a falta de pessoal. “O número de servidores ainda é insuficiente.”

JC – Que Tribunal de Justiça o senhor deixa para o seu sucessor?

JONES FIGUEIREDO – O desembargador José Fernandes recebe um tribunal aglutinante em termos de coesão de ideias. É um tribunal que se renova porque fez a sua autocrítica, verticalizou o próprio conhecimento de seus problemas e se transforma como um tribunal moderno em termos de impacto de gestão. O investimento nas pessoas e na tecnologia marcaram um cenário novo. Houve um incremento de pessoal para as unidades judiciárias. Foram nomeados, na nossa gestão, mais de 2.200 servidores. Fizemos permanente capacitação profissional e investimento em infraestrutura. Passamos a ser o oitavo tribunal do País em termos de avanços tecnológicos na área de informática com um multiplicador quantitativo de pessoas na área de analistas de sistema, por exemplo. Estamos fazendo uma mudança em termo de cultura de gestão.

JC – Mas Pernambuco ainda tem a Justiça mais lenta do País. Pelo menos é o que aponta o último estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As mudanças, citadas pelo senhor, não surtiram efeito, então?

JONES – As estatísticas não visualizam por inteiro o problema subjacente. Temos quantitativos de processos que não podem ser avaliados de forma estritamente numérica. As bases de dados indicavam um quantitativo que, na verdade, não tinha consistência de números. O sistema não estava, num primeiro momento, atualizado na base de dados em relação aos processos findos. O juiz profere a sentença, entende que acaba o seu ofício, mas, é preciso ocorrer um gerenciamento interno para que as unidades judiciárias alimentem essas bases de dados, inclusive, com baixa definitiva. Então, falta essa atualização de dados.

JC – Mas por culpa dos próprios juízes. Muitos deles foram notificados pelo CNJ justamente por não alimentar o sistema.

JONES – Pela falta também de pessoal. O número de servidores ainda é insuficiente. E pela falta de cultura de gestão. A grande conquista é exatamente a consciência crítica de que o juiz deve ser gestor de sua vara. Ele não se resume ao dogma do processo. Ele deve gerenciar sua unidade de trabalho pela determinação de resultados e pela gerência do trabalho em termos de produção.

JC – O senhor fala sempre em cultura de gestão, que é preciso mudar. Mas o fato concreto é que continuamos emperrados. O que é que trava o Judiciário pernambucano?

JONES – Os novos dados que o CNJ irá divulgar, exatamente em função da taxa de congestionamento, colocarão Pernambuco numa situação mais saudável, numa melhor posição. Primeiro, é preciso dizer que o quantitativo não espelhava a realidade. Segundo, houve um enxugamento. Tínhamos no Recife 800 mil execuções fiscais. Em Gravatá (Agreste), execuções fiscais de R$ 0,85. Isso representava um quantitativo extremamente elevado sem um resultado útil. Eram ações destinadas a não apresentar nenhum resultado efetivo. Duas vertentes podem ser trabalhadas nessa linha de pensamento. Primeiro, os dados não estavam alimentados devidamente. Faltava gerência de informação sobre isso. E, segundo, não havia um filtro para que processos sem nenhuma valia pudessem ser extintos. Basta dizer que a PCR extinguiu, de uma só vez, mais de 150 mil ações.

JC – Em agosto do ano passado, dos 49 mil processos distribuídos, 15.500 estavam sem movimento há mais de 100 dias. É um número assustador. O andamento deles não estava sendo colocado no sistema ou eles estavam parados mesmo?

JONES – Esse é um dado que merece uma análise mais aprofundada. Há uma insuficiência também de juízes. Foi um ano atípico. Buscamos cuidar da meta 2. A prioridade foi muito mais concentrada em processos antigos (até 2005). Isso pode ter implicado a demora do andamento regular e devido dos processos mais recentes. É claro que isso gera um efeito multiplicador. Quando a atenção está concentrada em determinados processos, outros não têm o ritmo adequado. Em nível de meta 2, os magistrados de Pernambuco tiveram uma produção de 52 mil sentenças, superior à do Rio Grande do Sul.

JC – Temos observado um trabalho muito forte do CNJ. E, quando os resultados são divulgados, há um desgaste grande e natural da Justiça de Pernambuco. Como o senhor avalia o trabalho do CNJ, especificamente aqui no Estado?

JONES – Avalio o trabalho do CNJ como uma atuação de um consultor organizacional. Essa inspeção feita em Pernambuco foi a 12ª em tribunais do País. Ela trouxe resultados positivos. Fez uma avaliação crítica em nível de aconselhamento e diretivas operacionais, no sentido de ser facilitador como instrumento de eficiência. O CNJ atua, num primeiro momento, com essa capacidade fiscalizatória, no entanto, também de orientação. Entendo que a atuação tende a ser uma atuação gerencial. Em outro ponto, em determinados momentos, a atuação do CNJ passa a ter uma consideração genérica, que não se adequa a determinados Estados ou determinadas circunstâncias. Exemplos: o CNJ disse que não estávamos cumprindo a resolução no que diz respeito a diárias e concessão de diárias parciais ou aquelas que têm pernoite. A resolução do CNJ não dispõe sobre quilometragem e a nossa tem um limitador. Não permitimos pagamentos de diárias parciais antes dos 50 quilômetros. Como a resolução do CNJ não dispõe sobre quilometragem, estaríamos fazendo um limitador muito rigoroso. Não concebo a possibilidade de pagamento de diária na Região Metropolitana.

JC – Mas, no relatório, há denúncias muito mais graves apontadas. Desvios de função, erros em licitações e nepotismo.

JONES – Pontualmente, o que o CNJ determinou foi que se verificasse esses nomes de servidores e que 23 casos fossem checados. Havia similitudes de sobrenome parcial. A Secretaria de Gestão de Pessoas não identificou nenhum caso dessa similitude que significasse relação parental. Os 23 casos apontados eram em função de nomes que nem sequer os próprios servidores ou magistrados tinham ideia de relacionamento familiar. Eu sou Figueiredo e o desembargador Luis Carlos Figueiredo não é meu parente. E isso foi constatado. Não há nenhum caso. O cruzamento de dados serviu como uma hipótese e não foi confirmada.

JC – O senhor relatou no início da entrevista que o tribunal fez uma autocrítica. Que autocrítica o senhor faz em relação à gestão?

JONES – A autocrítica no sentido de o tribunal melhor se conhecer. Efetivamente é preciso ter relatórios gerenciais que permitam atuarmos com mais eficiência. Criamos um centro de custos. Isso permite uma visibilidade instantânea do que se opera em termos de despesas em todas as unidades de trabalho. Este foi um dado importante. Buscamos uma maior economicidade. O próprio projeto arquitetônico das torres do tribunal, a nova sede do tribunal, foi feito dentro de casa sem nenhum custo. Foi o setor de engenharia e arquitetura do tribunal que possibilitou a criação do projeto e a racionalização das despesas. Operamos com as comunicações via online. O diário oficial eletrônico impactou essa mudança. Não temos mais a mídia impressa, o que significava custo. Então houve uma racionalização de despesas para efeito de se empregar naquilo que é mais prioritário. Por isso, foi possível se nomear mais de 2.200 servidores.

JC – No ano passado, o tribunal afastou dois juízes por práticas criminosas. Não é um número pequeno em relação à quantidade de denúncias? O sentimento de corporativismo ainda não é muito grande?

JONES – Acho que o grande avanço foi exatamente o tribunal atuar em termos de propósitos, em termos de ideias e não em termos de pessoas. Todos os casos que foram realçados em nível de necessidade de investigação, quanto a desvios de conduta funcional dos magistrados, todos estão sendo apurados. Basta dizer que temos juízes respondendo a processos administrativos por quebra de eficiência. Não apenas por condutas desonestas. Também pela falta de eficiência na produtividade.

JC – A inspeção do CNJ aponta que grande parte das sindicâncias contra juízes, a que o senhor se refere, está parada. São 272 sindicâncias sem andar.

JONES – Não procede essa informação. Temos, semanalmente, sessões da corte especial onde processos administrativos são julgados. Há um trâmite normal. Evidentemente, com a atuação de fiscalização mais rigorosa, a tendência é que o número de processos cresça. Quando se fala que são 200 (sindicâncias) que estão paradas, na verdade, elas estão tramitando e exatamente pelo acervo de procedimentos investigatórios. Pode parecer que há uma demora. Muito pelo contrário. Ruim era quando não havia nenhum processo administrativo e as pessoas se sentiam impunes.

JC – O que o senhor fez para facilitar o acesso das pessoas, sobretudo as mais pobres, à Justiça?

JONES – A criação de novas varas é um marco importante, principalmente, na área da família e da infância e juventude. O acesso à Justiça ocorre com a disponibilidade de magistrados, mas, diria que alguns fatos foram importantes no que diz respeito a tutelar a dignidade das pessoas. A gratuidade para obtenção da folha de antecedentes criminais, a gratuidade para averbação da paternidade voluntariamente reconhecida. Havia uma restrição a esse direito que era o pagamento da averbação. Houve a gratuidade. O fato de as varas terem maior dinâmica em relação à operacionalidade do pessoal e de tecnologia permite que os processos possam ser melhor monitorados.

JC – O senhor reconhece a precariedade da estrutura física dos prédios da Justiça no interior?

JONES – A precariedade no interior diz respeito exatamente à circunstância de que existe uma necessidade permanente de manutenção dos prédios. A lotação dos servidores ainda não alcançou todas as comarcas do Estado, justamente porque este número que foi nomeado corresponde a cerca de 35% das necessidades imediatas. Temos o que chamamos de varas municipalizadas: 24% dos servidores são cedidos aos fóruns pelas prefeituras. São 150 comarcas no Estado. Instalamos as comarcas de Itamaracá e de Lagoa Grande. Em setembro do ano passado, todas as comarcas do Estado ficaram integradas em rede ao sistema de acompanhamento processual. E agora com o acesso a internet, por meio de um programa chamado Tribunal Conectado. Os juízes receberam notebooks. Houve inclusão digital dos servidores. Todos eles receberam uma ajuda de custo de R$ 2.400 para obtenção de notebooks. Vamos instalar um sistema integrado de conexão em qualquer parte do Estado. Você pode acessar em qualquer lugar, via internet, a base de dados processuais do tribunal e também alimentá-la com decisões. É a Justiça mais instantânea.

JC – Pernambuco ainda é um dos Estados com menor número de juízes em relação à população. Não adianta só ampliar esta rede, não é?

JONES – A abertura do concurso foi postergada em função de uma resolução do CNJ, que impunha que estes concursos não poderiam ser terceirizados. Apenas na prova objetiva, na primeira etapa, é que o tribunal poderia terceirizar. Tínhamos feito um contrato com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) para que o concurso fosse totalmente realizado por atividade externa, sem depender de qualquer atuação do tribunal. A resolução 75 impossibilitou isso. Nós tentamos que o CNJ revisse a resolução. Mas não conseguimos. O tribunal só pode terceirizar o processo na primeira etapa. Isso implicou num atraso na abertura do concurso. Estamos revendo o contrato com a Fundação Getúlio Vargas. De imediato, vamos oferecer 30 vagas para magistratura. Evidentemente que o número é bem maior e tende a ser maior com a movimentação de editais que façam os juízes saírem de primeira para segunda entrância ou para a capital. Haverá esta mobilidade na carreira. E com isso, as comarcas de base terão vagas. Temos 50 vagas de juízes substitutos. Ao longo do concurso haverá o provimento de muito mais vagas.

Fonte:

Jornal do Commércio

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