quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Direitos humanos

Direitos humanos
Publicado em 09.02.2010

José Luiz Delgado

jlmdelgado@terra.com.br

Se os direitos são sempre de algum homem concreto, ou de uma associação de homens, que sentido teria falar em “direitos humanos” ou numa Declaração de Direitos do Homem, como aquela, notável, que a ONU proclamou em 1948? É que, se, nos direitos de modo geral, os homens são considerados sob certo aspecto, ou certa atividade (direitos do inquilino e do locador, direitos do empregado e do empregador, direitos do comprador e do vendedor, ou seja, direitos do homem enquanto inquilino, enquanto locador, etc.), os chamados “direitos humanos” no entanto são diferentes: são direitos do homem enquanto tal, enquanto homem, não enquanto essa ou aquela de suas qualidades. Direitos de todo e qualquer homem, direitos da pessoa humana, direitos que decorrem do puro fato de ser homem, não direitos que decorrem de uma qualquer das apropriações ou das ações dos homens.

Outra coisa, porém, é o conjunto de propostas que constam do chamado Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) que tanta polêmica vem provocando. Muita coisa boa haverá dentro dele. Mas há também delírios e, sobretudo, imensas confusões e deformações quanto ao que seriam, propriamente, direitos humanos. Parecem querer impingir como "direitos humanos" certa ideologia do pior modernismo, promovendo trágico retrocesso moral, a ser imposto por um processo de tendência nitidamente totalitária, a começar pelo controle dos meios de comunicação.

A tortura é óbvio que agride frontalmente direito humano fundamental, e, sem dúvida, é direito humano enterrar seus mortos e conhecer a maneira como eles encontraram o fim. Mas que direito humano há no financiamento público das campanhas eleitorais? Pode, esse financiamento, ser bom ou ruim - é questão perfeitamente atual, mas o que positivamente não é, é "direito humano". Do mesmo modo, a sugestão de emenda constitucional para as polícias militares não mais serem forças auxiliares do Exército. Boa ou não essa sugestão, "direito humano" é que ela não é, nem tem nada a ver com eles. E de que modo a presença (tradicional, histórica) de símbolos religiosos prejudica o direito humano da liberdade religiosa dos crentes de outros credos, ou a liberdade de pensamento dos ateus? Por coerência, esse nefasto plano terminará por propor a dinamitação do Cristo no Corcovado...

A inclusão do aborto é outra trágica deformação. Aborto virou direito humano? Não há de ser direito humano do feto, aquele que vai ser trucidado... Seria elemento da liberdade da mulher, ou, como o PNDH diz, "autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos". Não só essa proposta ignora completamente a figura do pai (que, parece, tem também alguma coisa a ver com o feto que se encontra no útero materno...), como também desconhece o fato de que não há direito à automutilação, tanto que as lesões corporais são punidas mesmo quando haja consentimento da vítima. Ou seja: se o feto é "parte" do corpo da mulher, ela não pode se automutilar. E se não é, pior ainda: é atingir outrem, tirar a vida de outrem, do nascituro.

Esse PNDH é uma miscelânea, salada deplorável e perigosa. Autêntico saco de gatos, leva a um totalitarismo patente em várias propostas. São duas coisas completamente distintas - uma, os autênticos direitos do homem, os daquela declaração da ONU, que Bobbio considerava um fato novo na história ("pela primeira vez um sistema de princípios fundamentais foi livre e expressamente aceito pela maioria dos homens que vive na Terra") e de que é reflexo o capítulo dos "direitos fundamentais" de nossa Constituição, e outra, esse conjunto de ideias ou fantasias, algumas boas, outras péssimas, que empurraram para o presidente Lula assinar.

» José Luiz Delgado é professor universitário

Fonte:

Jornal do Commércio

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