Apartheid velado, 20 anos depois
Publicado em 11.02.2010
Libertação de Nelson Mandela, ícone da luta contra o Apartheid, trouxe mudanças profundas no país, mas segregação racial ainda perdura
Wagner Sarmento
wsarmento@jc.com.br
Há exatos 20 anos, a libertação de Nelson Mandela prenunciava a liberdade dos negros na África do Sul, o começo do fim do regime da vergonha que vigorava havia mais de meio século. Mandela, símbolo da luta contra o Apartheid, deixava a cadeia após 27 anos preso sob as acusações de sabotagem e conspiração. Foi solto pelo clamor de um povo cansado daquela estupidez que separava brancos e pretos. A soltura do líder catalisou o processo para enterrar a política de segregação racial no país. Hoje, duas décadas depois, a igualdade racial ainda está longe de se tornar realidade. Há um Apartheid velado que persiste no país.
O modelo segregacionista, cuja estrutura foi criada no século 17, ainda na época dos colonizadores holandeses, antes do domínio inglês no país, foi oficializado em 1948, com a vitória do Partido Nacional, ligado aos africâneres (descendentes dos europeus). O Apartheid marginalizava os negros, que correspondiam a 80% da população.
Havia hospitais para brancos, modernos e bem equipados, e para negros, sempre superlotados e sem médicos. Ambulâncias de brancos não podiam sequer socorrer negros doentes. Quase todas as universidades eram reservadas aos brancos. As escolas preparavam os negros para trabalhos braçais. Trens e ônibus também eram segregados. Existiam praias às quais só os brancos tinham acesso. Os negros não tinham direito, por exemplo, a piscinas públicas, bibliotecas, parques e cinemas. Policiais negros não podiam prender brancos.
Mandela nasceu no pequeno vilarejo de Qunu, distrito de Umtata. Foi o primeiro membro da família a frequentar uma escola e acabou se formando em direito. Após ser expulso da Universidade de Fort Hare por se envolver com o movimento estudantil, ele concluiu o curso na Universidade da África do Sul, em Joanesburgo.
Na década de 50, Nelson Mandela se aliou ao partido do Congresso Nacional Africano (CNA) e encampou uma cruzada contra o Apartheid. Optou pela luta armada depois do Massacre de Sharpeville, em 1960, quando a polícia sul-africana matou 69 negros e feriu 180.
Um ano mais tarde, tornou-se chefe da Lança da Nação, braço armado do CNA. Comandou uma campanha de sabotagem contra alvos militares e realizou treinamento paramilitar na Argélia, mas acabou preso em agosto de 1962, quando a agência de inteligência americana, a CIA, repassou informações sobre ele à polícia sul-africana. Pela viagem ilegal ao exterior e por incentivar greves, Mandela foi condenado a cinco anos de reclusão. Dois anos depois, veio a sentença de prisão perpétua por sabotagem e por conspiração para que outros países invadissem a África do Sul.
SITUAÇÃO INSUSTENTÁVEL
Uma semana antes de ordenar a libertação de Nelson Mandela, o então presidente Frederik de Klerk, último líder branco do país, admitiu que a política de segregação racial fracassara e iniciou o processo para pôr fim ao Apartheid. Além da súplica dos negros, as circunstâncias exigiam que Mandela deixasse a cadeia. “A saída de Mandela da prisão é o reconhecimento do governo branco de Frederik de Klerk que a política do Apartheid estava podre e caduca. Não havia condições de continuarem com isso. Poderia provocar até uma guerra civil. A África do Sul não conseguia se colocar entre os países civilizados. As restrições internacionais deixariam o país isolado. Tudo isso forçou a libertação de Mandela, sem desmerecer a luta da população negra”, avalia o historiador Antônio Alves, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
O processo para encerrar o Apartheid continuou em 1992, quando 69% dos eleitores brancos aprovaram, em plebiscito, o fim da política de segregação racial. O regime foi oficialmente sepultado nas eleições livres de 1994, quando Mandela – que um ano antes havia conquistado o Prêmio Nobel da Paz junto com De Klerk – foi eleito o primeiro presidente negro da história da África do Sul. De lá para cá, seu CNA venceu todas as eleições presidenciais. “A libertação de Mandela acelerou o processo para o fim da política de segregação racial. Eram necessárias mudanças e ninguém melhor que Mandela para conduzi-las”, observa o professor da UFPE.
Parte da compensação pelo Apartheid ocorreu em 2003, quando o governo sul-africano anunciou o pagamento de US$ 85 milhões a 22 mil negros presos e torturados durante o regime. “Mandela inicialmente usou a luta armada, mas percebeu que aquela estratégia só piorava a situação. Passou a se valer de movimentos pacíficos. O maior mérito de Mandela foi reconhecer seu erro e saber abdicar da luta armada”, destaca Alves.
Publicado em 11.02.2010
Libertação de Nelson Mandela, ícone da luta contra o Apartheid, trouxe mudanças profundas no país, mas segregação racial ainda perdura
Wagner Sarmento
wsarmento@jc.com.br
Há exatos 20 anos, a libertação de Nelson Mandela prenunciava a liberdade dos negros na África do Sul, o começo do fim do regime da vergonha que vigorava havia mais de meio século. Mandela, símbolo da luta contra o Apartheid, deixava a cadeia após 27 anos preso sob as acusações de sabotagem e conspiração. Foi solto pelo clamor de um povo cansado daquela estupidez que separava brancos e pretos. A soltura do líder catalisou o processo para enterrar a política de segregação racial no país. Hoje, duas décadas depois, a igualdade racial ainda está longe de se tornar realidade. Há um Apartheid velado que persiste no país.
O modelo segregacionista, cuja estrutura foi criada no século 17, ainda na época dos colonizadores holandeses, antes do domínio inglês no país, foi oficializado em 1948, com a vitória do Partido Nacional, ligado aos africâneres (descendentes dos europeus). O Apartheid marginalizava os negros, que correspondiam a 80% da população.
Havia hospitais para brancos, modernos e bem equipados, e para negros, sempre superlotados e sem médicos. Ambulâncias de brancos não podiam sequer socorrer negros doentes. Quase todas as universidades eram reservadas aos brancos. As escolas preparavam os negros para trabalhos braçais. Trens e ônibus também eram segregados. Existiam praias às quais só os brancos tinham acesso. Os negros não tinham direito, por exemplo, a piscinas públicas, bibliotecas, parques e cinemas. Policiais negros não podiam prender brancos.
Mandela nasceu no pequeno vilarejo de Qunu, distrito de Umtata. Foi o primeiro membro da família a frequentar uma escola e acabou se formando em direito. Após ser expulso da Universidade de Fort Hare por se envolver com o movimento estudantil, ele concluiu o curso na Universidade da África do Sul, em Joanesburgo.
Na década de 50, Nelson Mandela se aliou ao partido do Congresso Nacional Africano (CNA) e encampou uma cruzada contra o Apartheid. Optou pela luta armada depois do Massacre de Sharpeville, em 1960, quando a polícia sul-africana matou 69 negros e feriu 180.
Um ano mais tarde, tornou-se chefe da Lança da Nação, braço armado do CNA. Comandou uma campanha de sabotagem contra alvos militares e realizou treinamento paramilitar na Argélia, mas acabou preso em agosto de 1962, quando a agência de inteligência americana, a CIA, repassou informações sobre ele à polícia sul-africana. Pela viagem ilegal ao exterior e por incentivar greves, Mandela foi condenado a cinco anos de reclusão. Dois anos depois, veio a sentença de prisão perpétua por sabotagem e por conspiração para que outros países invadissem a África do Sul.
SITUAÇÃO INSUSTENTÁVEL
Uma semana antes de ordenar a libertação de Nelson Mandela, o então presidente Frederik de Klerk, último líder branco do país, admitiu que a política de segregação racial fracassara e iniciou o processo para pôr fim ao Apartheid. Além da súplica dos negros, as circunstâncias exigiam que Mandela deixasse a cadeia. “A saída de Mandela da prisão é o reconhecimento do governo branco de Frederik de Klerk que a política do Apartheid estava podre e caduca. Não havia condições de continuarem com isso. Poderia provocar até uma guerra civil. A África do Sul não conseguia se colocar entre os países civilizados. As restrições internacionais deixariam o país isolado. Tudo isso forçou a libertação de Mandela, sem desmerecer a luta da população negra”, avalia o historiador Antônio Alves, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
O processo para encerrar o Apartheid continuou em 1992, quando 69% dos eleitores brancos aprovaram, em plebiscito, o fim da política de segregação racial. O regime foi oficialmente sepultado nas eleições livres de 1994, quando Mandela – que um ano antes havia conquistado o Prêmio Nobel da Paz junto com De Klerk – foi eleito o primeiro presidente negro da história da África do Sul. De lá para cá, seu CNA venceu todas as eleições presidenciais. “A libertação de Mandela acelerou o processo para o fim da política de segregação racial. Eram necessárias mudanças e ninguém melhor que Mandela para conduzi-las”, observa o professor da UFPE.
Parte da compensação pelo Apartheid ocorreu em 2003, quando o governo sul-africano anunciou o pagamento de US$ 85 milhões a 22 mil negros presos e torturados durante o regime. “Mandela inicialmente usou a luta armada, mas percebeu que aquela estratégia só piorava a situação. Passou a se valer de movimentos pacíficos. O maior mérito de Mandela foi reconhecer seu erro e saber abdicar da luta armada”, destaca Alves.
Fonte:
Jornal do Commércio
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