Catástrofe silenciosa
Publicado em 10.02.2010
O exame do curto período de 25 anos que compreende a instalação da chamada Nova República e o fim do governo Lula revela conquistas significativas para a população brasileira. De conquistas institucionais, como a Constituição de 1988, passando pela realização de eleições regulares e confiáveis, até ganhos palpáveis advindos da modernização econômica e da implementação de políticas sociais de caráter inclusivo. O controle da inflação, a estabilização da moeda, a recuperação do poder aquisitivo e da capacidade de crédito da classe média, o elevado grau de confiabilidade do sistema financeiro, a retomada dos investimentos em infraestrutura - são elementos de um mesmo quadro positivo, acumulados no decorrer dos mandatos dos quatro últimos presidentes da República.
Infelizmente, um dos pressupostos do desenvolvimento sustentável fica fora dessa lista de avanços: a educação no Brasil ostenta resultados indignos dos demais indicadores de crescimento anotados pelo País. De tal maneira que, se tomarmos o indivíduo nascido em 1985, no alvorecer da redemocratização, a probabilidade de que ele tenha conseguido expandir a plenitude de suas potencialidades, da infância à juventude, é muito baixa. Apesar da melhora na alfabetização, temos uma taxa de repetência (19%) quase cinco vezes maior do que a média na América Latina (4%). O recém-divulgado ranking da Unesco sobre educação básica aponta o País como o 88º da lista, atrás do Paraguai, da Bolívia, do Equador e Honduras - os mais pobres das Américas. A Unesco leva em consideração para a formulação do ranking a universalização do ensino fundamental, a alfabetização de adultos, a igualdade entre meninos e meninas no acesso à educação e a proporção de alunos que completam a quarta série. O resultado para o Brasil é assustador, uma verdadeira catástrofe silenciosa, para a qual muitos de nós, especialmente os nossos governantes, não nos demos conta.
A estatística nacional traz mais conclusões devastadoras. Estudo do Ipea divulgado em janeiro revelou que, em 2007, metade dos 10,2 milhões de brasileiros de 15 a 17 anos estava atolada nas séries do ensino fundamental ou havia desistido de estudar, abandonando a escola. O que não é tão difícil de explicar. Basta ver que 37% das quase 200 mil escolas espalhadas pelo território nacional não dispõem de biblioteca! Onde estão esses jovens que deveriam estar estudando? Em vez do sonho da carreira profissional, é provável que vivenciem o pesadelo das drogas e da violência dos centros urbanos, vítimas de um sistema educacional falido.
Um vexame sem desculpas, uma vergonha coletiva, um fracasso do atual e dos governos anteriores que transborda como responsabilidade descuidada por todos. Inclusive da sociedade que se esquiva do problema, conforme detectado em pesquisa do Ibope no ano passado: a educação aparece apenas como o quinto problema nacional, e quase 70% dos entrevistados disseram que é assunto exclusivo dos governos - como se os pais não tivessem nada a ver com isso.
Em Pernambuco, a exemplo de boa parte do Nordeste, a situação é ainda mais delicada. A distorção idade/série no ensino fundamental passa de um terço dos matriculados - um escândalo, atestado de incompetência de professores mal capacitados e gestores insensíveis. Se em 2006 essa distorção era maior - chegando a mais de 50% - a diminuição merece menos comemoração e redobrado trabalho, visto que tal realidade é inadmissível em um Estado que se quer pronto para o futuro. Nas indústrias de Suape e na construção civil, começa a faltar técnicos e sobrar empregos qualificados, devido ao déficit de candidatos preparados.
A catástrofe na educação é o gatilho de outras catástrofes que nos envergonham, como a violência urbana que mata tanto quanto uma guerra civil. É preciso elevar a carga horária mínima nas escolas públicas, investir na infraestrutura física e humana - na formação de professores estimulados a ensinar - e sobretudo, melhorar a péssima qualidade do ensino básico no País, que provoca altas taxas de evasão e repetência. Em ano de eleição para presidente e governadores, a recuperação da educação é inadiável. É preciso assumir a questão como o mais urgente projeto nacional, algo que não foi feito nos últimos 25 anos.
Publicado em 10.02.2010
O exame do curto período de 25 anos que compreende a instalação da chamada Nova República e o fim do governo Lula revela conquistas significativas para a população brasileira. De conquistas institucionais, como a Constituição de 1988, passando pela realização de eleições regulares e confiáveis, até ganhos palpáveis advindos da modernização econômica e da implementação de políticas sociais de caráter inclusivo. O controle da inflação, a estabilização da moeda, a recuperação do poder aquisitivo e da capacidade de crédito da classe média, o elevado grau de confiabilidade do sistema financeiro, a retomada dos investimentos em infraestrutura - são elementos de um mesmo quadro positivo, acumulados no decorrer dos mandatos dos quatro últimos presidentes da República.
Infelizmente, um dos pressupostos do desenvolvimento sustentável fica fora dessa lista de avanços: a educação no Brasil ostenta resultados indignos dos demais indicadores de crescimento anotados pelo País. De tal maneira que, se tomarmos o indivíduo nascido em 1985, no alvorecer da redemocratização, a probabilidade de que ele tenha conseguido expandir a plenitude de suas potencialidades, da infância à juventude, é muito baixa. Apesar da melhora na alfabetização, temos uma taxa de repetência (19%) quase cinco vezes maior do que a média na América Latina (4%). O recém-divulgado ranking da Unesco sobre educação básica aponta o País como o 88º da lista, atrás do Paraguai, da Bolívia, do Equador e Honduras - os mais pobres das Américas. A Unesco leva em consideração para a formulação do ranking a universalização do ensino fundamental, a alfabetização de adultos, a igualdade entre meninos e meninas no acesso à educação e a proporção de alunos que completam a quarta série. O resultado para o Brasil é assustador, uma verdadeira catástrofe silenciosa, para a qual muitos de nós, especialmente os nossos governantes, não nos demos conta.
A estatística nacional traz mais conclusões devastadoras. Estudo do Ipea divulgado em janeiro revelou que, em 2007, metade dos 10,2 milhões de brasileiros de 15 a 17 anos estava atolada nas séries do ensino fundamental ou havia desistido de estudar, abandonando a escola. O que não é tão difícil de explicar. Basta ver que 37% das quase 200 mil escolas espalhadas pelo território nacional não dispõem de biblioteca! Onde estão esses jovens que deveriam estar estudando? Em vez do sonho da carreira profissional, é provável que vivenciem o pesadelo das drogas e da violência dos centros urbanos, vítimas de um sistema educacional falido.
Um vexame sem desculpas, uma vergonha coletiva, um fracasso do atual e dos governos anteriores que transborda como responsabilidade descuidada por todos. Inclusive da sociedade que se esquiva do problema, conforme detectado em pesquisa do Ibope no ano passado: a educação aparece apenas como o quinto problema nacional, e quase 70% dos entrevistados disseram que é assunto exclusivo dos governos - como se os pais não tivessem nada a ver com isso.
Em Pernambuco, a exemplo de boa parte do Nordeste, a situação é ainda mais delicada. A distorção idade/série no ensino fundamental passa de um terço dos matriculados - um escândalo, atestado de incompetência de professores mal capacitados e gestores insensíveis. Se em 2006 essa distorção era maior - chegando a mais de 50% - a diminuição merece menos comemoração e redobrado trabalho, visto que tal realidade é inadmissível em um Estado que se quer pronto para o futuro. Nas indústrias de Suape e na construção civil, começa a faltar técnicos e sobrar empregos qualificados, devido ao déficit de candidatos preparados.
A catástrofe na educação é o gatilho de outras catástrofes que nos envergonham, como a violência urbana que mata tanto quanto uma guerra civil. É preciso elevar a carga horária mínima nas escolas públicas, investir na infraestrutura física e humana - na formação de professores estimulados a ensinar - e sobretudo, melhorar a péssima qualidade do ensino básico no País, que provoca altas taxas de evasão e repetência. Em ano de eleição para presidente e governadores, a recuperação da educação é inadiável. É preciso assumir a questão como o mais urgente projeto nacional, algo que não foi feito nos últimos 25 anos.
Fonte:
Jornal do Commércio
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