Nossos Haitis
Publicado em 31.01.2010
Texto: João Valadares
Eleni Costa Souza é mulher de 40 anos. Mora na areia. Não levanta porque a força sumiu. Arrasta-se quando precisa de alguma coisa. Difícil mesmo é perceber sua existência. Pode chover ou fazer sol. Ela está lá, embrulhada, no mesmo lugar. Descascada de tudo, carrega um filho na barriga. Não sabe se é menino ou menina. Nunca foi ao hospital. Acha que está grávida de nove meses e há oito dias não consegue comer. Não tem força para mastigar o que nem existe. Toma só água ou o caldo de osso de sempre, catado pelo marido nos restos de Brasília Teimosa. Nêga, a vira-lata, lambe a mesma sobra, mas desdenha da comida. É o desespero que não faz barulho bem embaixo do nosso nariz, ao lado das quadras de tênis da Avenida Boa Viagem. Eleni é o nosso terremoto. Prova viva que aquele País devastado no Caribe não é visto apenas quando trocamos o canal da televisão. Está na vista da nossa varanda, na janela do carro, na esquina da gente, à espera do nosso lixo. Bem pertinho. Não sentimos, sequer percebemos. A terra por aqui nem chacoalhou, mas há sofrimento empilhado por todos os lados. Vida que já nem pode desabar. Só há chão no Haiti recifense. O reino do não. Dos que não comem, dos que não podem adoecer, dos que não recebem cartas porque não há endereço. Como lá, gente aqui virou entulho. Sobrevive por teimosia mesmo.
O tremor da gente é lento. Mata aos poucos, silenciosamente, como um cochicho de vergonha. Erivaldo Braz dos Santos, 27, é pai do filho que Eleni espera. Acorda quando o sol avisa que a pele está queimando. Feito bicho, sai, com dois amigos, para catar o que comer. Todo dia é a mesma coisa. Revira tudo. Toma cachaça de gole grande para esconder a vergonha e estender a mão aberta de humilhação para quem passa fazendo cooper. “Vergonha é roubar né não?” Dia desses, na sua missão diária para tentar se manter de pé, levantar a mulher e garantir o nascimento do filho, viu uma barraca do exército montada no 2º Jardim da Avenida Boa Viagem. Nem acreditou. Dentro, sacolas de comida enfileiradas e uma faixa enorme com alguma coisa escrita. Não entendeu, mas foi lá. “Disse que precisava comer. Não deram nada. Parece que é para aquele estado onde as pessoas estão passando fome. Não fiquei brabo não. Tenho fome, mas eles estão certos. O povo de lá tá precisando né não?” Na faixa estava escrito “Doações para o Haiti”. Mas era o Haiti de lá, Erivaldo. Uma das voluntárias da campanha confirmou a visita. “Duas pessoas vieram aqui, mas não damos comida de jeito nenhum. Esta campanha é só para o Haiti.”
Além do casal, moram no nada, na mesma areia, em frente ao Hotel Marante, Pedro Pereira da Silva, 62, Cláudio José de Santana, 29, e Edvaldo Oliveira. Pedro, que já foi mecânico, tem nas mãos um encarte de uma grande rede de supermercados, uma espécie de passaporte para sonhar. Passa devagar página por página, aponta as comidas mais bonitas, e sempre solta uma piadinha. Ele para numa página dupla da revistinha recheada de queijo, presunto, pão, camarão e uísque. É a diversão do dia. “O barato é aqui”, debocha do slogan multinacional que o provoca. Passa mais uma folha e solta outra. “O cartão ideal para equilibrar o seu orçamento.” Não aguenta, explode numa gargalhada bêbada e repete o slogan da salvação para o amigo. “Olha, o cartão ideal para equilibrar o seu orçamento.” Cláudio não entende nada.
Pedro se preocupa com Eleni. Ninguém sabe que doença a mulher tem. Parece queimadura. É carne viva. Ela mesma chuta a doença. “É o álcool que fez isso com minha pele. Não tenho força para nada. Tenho família, mas não tenho força nem para me levantar e procurar nada. Um dia um pessoal da prefeitura veio aqui, mas fiquei.” Erivaldo, que já foi dependente de crack, disse que ligou para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). “Expliquei o caso. Liguei do orelhão a cobrar para o 192. Pediram o endereço, disse que morava aqui na areia, mas ninguém apareceu.”
O CARDÁPIO DO LIXO
No Centro de Abastecimento Alimentar de Pernambuco (Ceasa-PE), a feira que sustenta muitas famílias é retirada do lixo. É comum olhos apressados para o chão, tentando buscar o que “não serve”. Parece bicho, com cabeça dentro dos lixeiros, farejando comida para as bocas que esperam em casa. E do lixo sai tomate, mamão, melancia, verduras e muito mais. Alberto Borges mora na Favela do Chié, no Recife. Pega dois ônibus para chegar à Ceasa. “Não tenho vergonha. Preciso e venho pegar comida baleada aqui no lixo. Tem coisa boa”, diz.
Às 9h, começa a sessão de humilhação. Mulheres, crianças e velhas se aglomeram em frente ao local onde vai ser despejado o lixo da central de distribuição chamada Cantu. É aquele olhar pidão, uma súplica coletiva. A sobra de frutas podres ou amassadas é separada por apenas uma grade, mas os funcionários jogam com muita rapidez tudo para dentro do caminhão de lixo. Não dão chance para as pessoas aproveitarem o lixo que vai virar comida mais tarde. Ninguém quer perder a mão. O jeito é tentar pegar o que pode.
“Moro no Ibura. Venho para cá, mas é muita briga para pegar comida. Já levei até pancada na cabeça tentando pegar algumas maçãs podres”, diz Marluce Luiza da Silva, 62 anos. Tereza de Oliveira, 38, esperou, esperou e desistiu. “Vou embora, eles estão de marcação hoje.” Romildo José da Silva acorda às 5h. Vem de bicicleta da Favela Chico Mendes, no Caçote, na Zona Oeste do Recife. “Tenho dois filhos me esperando em casa”, diz depois de pescar um melão da lixeira. Romildo só volta para casa quando consegue encher todos os sacos. “Tô sem comida em casa. Vivo do que pego aqui pelo chão ou no lixo. Puxo carroça e, às vezes, ganho R$ 3 por dia. Essa é a vida.”
A miséria numa caixa de madeira
Publicado em 31.01.2010
Parece mentira. Sete pessoas, dois adultos e cinco crianças, moram num barraco de quatro metros quadrados na comunidade Dorothy Stang, na Imbiribeira, Zona Sul do Recife. São quatro metros quadrados mesmo. Nada mais. É casa menor do que muitos banheiros. Uma caixa de madeira sem janela. Só cabe cama, televisão e toda a vergonha do mundo. Do lado de fora, é impossível acreditar na história contada pelo coordenador da ocupação sobre os meninos do pequeno quadrado. “Vamos lá. Vocês vão olhar e comprovar o que estou dizendo”, conta Marciano Manoel da Silva, 37.
Ao chegar ao local, Marciano grita pelo pai das crianças, o zelador Wellington de Souza Santos. Bate palma, chama mais uma vez e nada. Quem aparece é o menino mais velho, 9 anos. “Papai foi trabalhar. A gente tá sozinho.” No barraco, cinco crianças grudadas veem TV. Um ventilador velho sopra um bafo quente no rosto dos meninos. O menor dorme com o pai e a mãe numa cama de solteiro, que se encaixa perfeitamente tocando as duas paredes. Os outros quatro ficam no chão mesmo.
A Irmã Dorothy é um amontoado de miséria que impressiona. Para onde se olha, um susto. É criança correndo no meio do esgoto, mulher reclamando dos espancamentos cometidos pela polícia, mães exibindo os corpos manchados e ferido dos filhos. Às 12h30 em ponto, sai gente de tudo quanto é canto. É a hora da sopa. As crianças chegam batendo panela. Quando a Kombi do Instituto de Assistência Social e Cidadania (Iasc) da Prefeitura do Recife chega para entregar o balde, a fila já está sendo formada.
Cada um espera sua vez e recebe uma concha. Volta para casa e divide com os outros. Alguns reclamam que só tem caldo. “Não tem um pedaço de carne aqui” é uma das frases mais ouvidas. José Geraldo Viana, 51, havia juntado algumas latas de alumínio para tentar ganhar R$ 3 e comprar alguma coisa para os quatro filhos e a mulher. Mais tarde, a mulher de José estava na fila. Volta para casa com um pequeno balde do alimento. “Tem dia que não tem para todo o mundo. É confusão”, diz Marciano.
Amontoados no corredor do sofrimento
Publicado em 31.01.2010
Há um Haiti de espremidos nas emergências dos grandes hospitais públicos de Pernambuco. Imprensa não pode passar da porta. É proibido mostrar o que está escondido lá dentro. No início da semana, o Jornal do Commercio conseguiu entrar na emergência do HGV, maior do Estado em traumatologia e ortopedia. Durante 40 minutos, cenas de um hospital de guerra. É gente sofrendo por tudo quanto é lado. O bloco cirúrgico virou enfermaria. A sala de recuperação, onde o paciente só deve passar no máximo duas horas, também. Só cabem 23, no entanto, são mais de 50. Idosos, que deveriam ser operados em até 72 horas para garantir uma sobrevida de 80% nos próximos cinco anos, esperam até 60 dias. Os números são inacreditáveis.
O diretor de defesa profissional da Sociedade Brasileira de Ortopedia Mário Jorge Lobo, médico do HGV, é direto. “Nessa situação, podemos afirmar que 80% dos idosos atendidos aqui vão morrer nos próximos cinco anos. Esta é a realidade. Com a demora na cirurgia, a taxa de sobrevida cai para 20% e o risco de infecção é muito elevado.”
Vários pacientes dormem há mais de mês numa maca no bloco cirúrgico com uma luz acessa no rosto durante as 24 horas do dia. Um do lado do outro. “Isso não tem outro nome. É tortura mesmo.” A sala de espera de raio-X tem macas por todos os lados. Ao caminhar pelos corredores, engarrafamento de pacientes, a maioria velhos. Muitas macas no chão. Sem espaço, enfermeiros atendem ali mesmo. No primeiro andar, ficam os pacientes que já foram operados de fratura exposta. Eles não podem ir para casa para não perder a vez da cirurgia definitiva. “O HGV se transformou num hospital de campanha”, diz o médico.
Fonte:
Jornal do Commércio
Publicado em 31.01.2010
Texto: João Valadares
Eleni Costa Souza é mulher de 40 anos. Mora na areia. Não levanta porque a força sumiu. Arrasta-se quando precisa de alguma coisa. Difícil mesmo é perceber sua existência. Pode chover ou fazer sol. Ela está lá, embrulhada, no mesmo lugar. Descascada de tudo, carrega um filho na barriga. Não sabe se é menino ou menina. Nunca foi ao hospital. Acha que está grávida de nove meses e há oito dias não consegue comer. Não tem força para mastigar o que nem existe. Toma só água ou o caldo de osso de sempre, catado pelo marido nos restos de Brasília Teimosa. Nêga, a vira-lata, lambe a mesma sobra, mas desdenha da comida. É o desespero que não faz barulho bem embaixo do nosso nariz, ao lado das quadras de tênis da Avenida Boa Viagem. Eleni é o nosso terremoto. Prova viva que aquele País devastado no Caribe não é visto apenas quando trocamos o canal da televisão. Está na vista da nossa varanda, na janela do carro, na esquina da gente, à espera do nosso lixo. Bem pertinho. Não sentimos, sequer percebemos. A terra por aqui nem chacoalhou, mas há sofrimento empilhado por todos os lados. Vida que já nem pode desabar. Só há chão no Haiti recifense. O reino do não. Dos que não comem, dos que não podem adoecer, dos que não recebem cartas porque não há endereço. Como lá, gente aqui virou entulho. Sobrevive por teimosia mesmo.
O tremor da gente é lento. Mata aos poucos, silenciosamente, como um cochicho de vergonha. Erivaldo Braz dos Santos, 27, é pai do filho que Eleni espera. Acorda quando o sol avisa que a pele está queimando. Feito bicho, sai, com dois amigos, para catar o que comer. Todo dia é a mesma coisa. Revira tudo. Toma cachaça de gole grande para esconder a vergonha e estender a mão aberta de humilhação para quem passa fazendo cooper. “Vergonha é roubar né não?” Dia desses, na sua missão diária para tentar se manter de pé, levantar a mulher e garantir o nascimento do filho, viu uma barraca do exército montada no 2º Jardim da Avenida Boa Viagem. Nem acreditou. Dentro, sacolas de comida enfileiradas e uma faixa enorme com alguma coisa escrita. Não entendeu, mas foi lá. “Disse que precisava comer. Não deram nada. Parece que é para aquele estado onde as pessoas estão passando fome. Não fiquei brabo não. Tenho fome, mas eles estão certos. O povo de lá tá precisando né não?” Na faixa estava escrito “Doações para o Haiti”. Mas era o Haiti de lá, Erivaldo. Uma das voluntárias da campanha confirmou a visita. “Duas pessoas vieram aqui, mas não damos comida de jeito nenhum. Esta campanha é só para o Haiti.”
Além do casal, moram no nada, na mesma areia, em frente ao Hotel Marante, Pedro Pereira da Silva, 62, Cláudio José de Santana, 29, e Edvaldo Oliveira. Pedro, que já foi mecânico, tem nas mãos um encarte de uma grande rede de supermercados, uma espécie de passaporte para sonhar. Passa devagar página por página, aponta as comidas mais bonitas, e sempre solta uma piadinha. Ele para numa página dupla da revistinha recheada de queijo, presunto, pão, camarão e uísque. É a diversão do dia. “O barato é aqui”, debocha do slogan multinacional que o provoca. Passa mais uma folha e solta outra. “O cartão ideal para equilibrar o seu orçamento.” Não aguenta, explode numa gargalhada bêbada e repete o slogan da salvação para o amigo. “Olha, o cartão ideal para equilibrar o seu orçamento.” Cláudio não entende nada.
Pedro se preocupa com Eleni. Ninguém sabe que doença a mulher tem. Parece queimadura. É carne viva. Ela mesma chuta a doença. “É o álcool que fez isso com minha pele. Não tenho força para nada. Tenho família, mas não tenho força nem para me levantar e procurar nada. Um dia um pessoal da prefeitura veio aqui, mas fiquei.” Erivaldo, que já foi dependente de crack, disse que ligou para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). “Expliquei o caso. Liguei do orelhão a cobrar para o 192. Pediram o endereço, disse que morava aqui na areia, mas ninguém apareceu.”
O CARDÁPIO DO LIXO
No Centro de Abastecimento Alimentar de Pernambuco (Ceasa-PE), a feira que sustenta muitas famílias é retirada do lixo. É comum olhos apressados para o chão, tentando buscar o que “não serve”. Parece bicho, com cabeça dentro dos lixeiros, farejando comida para as bocas que esperam em casa. E do lixo sai tomate, mamão, melancia, verduras e muito mais. Alberto Borges mora na Favela do Chié, no Recife. Pega dois ônibus para chegar à Ceasa. “Não tenho vergonha. Preciso e venho pegar comida baleada aqui no lixo. Tem coisa boa”, diz.
Às 9h, começa a sessão de humilhação. Mulheres, crianças e velhas se aglomeram em frente ao local onde vai ser despejado o lixo da central de distribuição chamada Cantu. É aquele olhar pidão, uma súplica coletiva. A sobra de frutas podres ou amassadas é separada por apenas uma grade, mas os funcionários jogam com muita rapidez tudo para dentro do caminhão de lixo. Não dão chance para as pessoas aproveitarem o lixo que vai virar comida mais tarde. Ninguém quer perder a mão. O jeito é tentar pegar o que pode.
“Moro no Ibura. Venho para cá, mas é muita briga para pegar comida. Já levei até pancada na cabeça tentando pegar algumas maçãs podres”, diz Marluce Luiza da Silva, 62 anos. Tereza de Oliveira, 38, esperou, esperou e desistiu. “Vou embora, eles estão de marcação hoje.” Romildo José da Silva acorda às 5h. Vem de bicicleta da Favela Chico Mendes, no Caçote, na Zona Oeste do Recife. “Tenho dois filhos me esperando em casa”, diz depois de pescar um melão da lixeira. Romildo só volta para casa quando consegue encher todos os sacos. “Tô sem comida em casa. Vivo do que pego aqui pelo chão ou no lixo. Puxo carroça e, às vezes, ganho R$ 3 por dia. Essa é a vida.”
A miséria numa caixa de madeira
Publicado em 31.01.2010
Parece mentira. Sete pessoas, dois adultos e cinco crianças, moram num barraco de quatro metros quadrados na comunidade Dorothy Stang, na Imbiribeira, Zona Sul do Recife. São quatro metros quadrados mesmo. Nada mais. É casa menor do que muitos banheiros. Uma caixa de madeira sem janela. Só cabe cama, televisão e toda a vergonha do mundo. Do lado de fora, é impossível acreditar na história contada pelo coordenador da ocupação sobre os meninos do pequeno quadrado. “Vamos lá. Vocês vão olhar e comprovar o que estou dizendo”, conta Marciano Manoel da Silva, 37.
Ao chegar ao local, Marciano grita pelo pai das crianças, o zelador Wellington de Souza Santos. Bate palma, chama mais uma vez e nada. Quem aparece é o menino mais velho, 9 anos. “Papai foi trabalhar. A gente tá sozinho.” No barraco, cinco crianças grudadas veem TV. Um ventilador velho sopra um bafo quente no rosto dos meninos. O menor dorme com o pai e a mãe numa cama de solteiro, que se encaixa perfeitamente tocando as duas paredes. Os outros quatro ficam no chão mesmo.
A Irmã Dorothy é um amontoado de miséria que impressiona. Para onde se olha, um susto. É criança correndo no meio do esgoto, mulher reclamando dos espancamentos cometidos pela polícia, mães exibindo os corpos manchados e ferido dos filhos. Às 12h30 em ponto, sai gente de tudo quanto é canto. É a hora da sopa. As crianças chegam batendo panela. Quando a Kombi do Instituto de Assistência Social e Cidadania (Iasc) da Prefeitura do Recife chega para entregar o balde, a fila já está sendo formada.
Cada um espera sua vez e recebe uma concha. Volta para casa e divide com os outros. Alguns reclamam que só tem caldo. “Não tem um pedaço de carne aqui” é uma das frases mais ouvidas. José Geraldo Viana, 51, havia juntado algumas latas de alumínio para tentar ganhar R$ 3 e comprar alguma coisa para os quatro filhos e a mulher. Mais tarde, a mulher de José estava na fila. Volta para casa com um pequeno balde do alimento. “Tem dia que não tem para todo o mundo. É confusão”, diz Marciano.
Amontoados no corredor do sofrimento
Publicado em 31.01.2010
Há um Haiti de espremidos nas emergências dos grandes hospitais públicos de Pernambuco. Imprensa não pode passar da porta. É proibido mostrar o que está escondido lá dentro. No início da semana, o Jornal do Commercio conseguiu entrar na emergência do HGV, maior do Estado em traumatologia e ortopedia. Durante 40 minutos, cenas de um hospital de guerra. É gente sofrendo por tudo quanto é lado. O bloco cirúrgico virou enfermaria. A sala de recuperação, onde o paciente só deve passar no máximo duas horas, também. Só cabem 23, no entanto, são mais de 50. Idosos, que deveriam ser operados em até 72 horas para garantir uma sobrevida de 80% nos próximos cinco anos, esperam até 60 dias. Os números são inacreditáveis.
O diretor de defesa profissional da Sociedade Brasileira de Ortopedia Mário Jorge Lobo, médico do HGV, é direto. “Nessa situação, podemos afirmar que 80% dos idosos atendidos aqui vão morrer nos próximos cinco anos. Esta é a realidade. Com a demora na cirurgia, a taxa de sobrevida cai para 20% e o risco de infecção é muito elevado.”
Vários pacientes dormem há mais de mês numa maca no bloco cirúrgico com uma luz acessa no rosto durante as 24 horas do dia. Um do lado do outro. “Isso não tem outro nome. É tortura mesmo.” A sala de espera de raio-X tem macas por todos os lados. Ao caminhar pelos corredores, engarrafamento de pacientes, a maioria velhos. Muitas macas no chão. Sem espaço, enfermeiros atendem ali mesmo. No primeiro andar, ficam os pacientes que já foram operados de fratura exposta. Eles não podem ir para casa para não perder a vez da cirurgia definitiva. “O HGV se transformou num hospital de campanha”, diz o médico.
Fonte:
Jornal do Commércio
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