Um aspecto preocupante (2)
Publicado em 27.02.2010
Joaquim Correia de Carvalho Jr.
jccj@correiadecarvalho.com.br
Na primeira parte desta análise, mencionamos, de modo muito sumário, a abrangência do PNHD-3, assim como a nossa preocupação pela Diretriz 22, que trata da garantia da nominada "direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura de direitos humanos."
Em abono da nossa preocupação, julgo oportuno lembrar o ensinamento de Pontes de Miranda, o maior jurista brasileiro que pontificou no século passado, ou seja no século 20, em comentários ao art. 141, § 5º, da Constituição de 1946, dispositivo esse que assegurava a livre manifestação de pensamento e reproduzido pela atual Carta, em seus art. 5º, IV, e 220.
Aquele ilustre jurista pronunciou-se, de forma categórica, contra qualquer tipo de controle da manifestação de pensamento, advertindo que, sem a liberdade de pensamento, todas as outras liberdades humanas estão sacrificadas, desde os fundamentos. E esclarecia, ainda, que ela não se confunde com a liberdade de pensamento, que é direito do indivíduo sozinho, posto que a liberdade de manifestação de pensamento diz respeito ao indivíduo em suas relações com os outros.
Assim, para Pontes de Miranda: "Liberdade de pensar significa mais do que pensar só para si, ocultando o pensamento. Tal liberdade de "pensar sem dizer" de nada valeria, na ordem social. Tiveram-na os escravos, têm-na os que vivem sob as formas autocráticas, sob o despotismo.
"Se o poder público se esforça, se afana, por saber o que no íntimo se pensa, o que se diz, não há liberdade de pensar. Tal esmiuçar de palavras, de gestos, para se descobrir o que o indivíduo pensa, marca o período de estagnação ou de decadência dos povos. A diferença entre liberdade de pensamento e liberdade de emissão de pensamento está apenas em que, naquela, se assegura o direito de pensar como se quer. Nessa, além de tal direito, o de se emitir de público o pensamento. Mas que vale aquela sem essa? Vale o sofrimento de Copérnico esperando a morte, ou o acaso, para publicar a sua descoberta. (Comentários à Constituição de 1946, ed. 2ª, volume IV, páginas 153/154).
Se, na vigência daquela Constituição, que não continha regra idêntica à do art.220 da Constituição atual, o nosso jurista maior assim se pronunciava, que dizer se ele tivessse escrito nos dias atuais?
Penso, pois, que estamos diante de uma flagrante violação às normas constitucionais, não podendo prevalecer a tentativa de censura que se contém, ainda que implicitamente, no chamado PNDH-3.
» Joaquim Correia de Carvalho Jr. é advogado
Fonte:
Jornal do Commércio
Publicado em 27.02.2010
Joaquim Correia de Carvalho Jr.
jccj@correiadecarvalho.com.br
Na primeira parte desta análise, mencionamos, de modo muito sumário, a abrangência do PNHD-3, assim como a nossa preocupação pela Diretriz 22, que trata da garantia da nominada "direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura de direitos humanos."
Em abono da nossa preocupação, julgo oportuno lembrar o ensinamento de Pontes de Miranda, o maior jurista brasileiro que pontificou no século passado, ou seja no século 20, em comentários ao art. 141, § 5º, da Constituição de 1946, dispositivo esse que assegurava a livre manifestação de pensamento e reproduzido pela atual Carta, em seus art. 5º, IV, e 220.
Aquele ilustre jurista pronunciou-se, de forma categórica, contra qualquer tipo de controle da manifestação de pensamento, advertindo que, sem a liberdade de pensamento, todas as outras liberdades humanas estão sacrificadas, desde os fundamentos. E esclarecia, ainda, que ela não se confunde com a liberdade de pensamento, que é direito do indivíduo sozinho, posto que a liberdade de manifestação de pensamento diz respeito ao indivíduo em suas relações com os outros.
Assim, para Pontes de Miranda: "Liberdade de pensar significa mais do que pensar só para si, ocultando o pensamento. Tal liberdade de "pensar sem dizer" de nada valeria, na ordem social. Tiveram-na os escravos, têm-na os que vivem sob as formas autocráticas, sob o despotismo.
"Se o poder público se esforça, se afana, por saber o que no íntimo se pensa, o que se diz, não há liberdade de pensar. Tal esmiuçar de palavras, de gestos, para se descobrir o que o indivíduo pensa, marca o período de estagnação ou de decadência dos povos. A diferença entre liberdade de pensamento e liberdade de emissão de pensamento está apenas em que, naquela, se assegura o direito de pensar como se quer. Nessa, além de tal direito, o de se emitir de público o pensamento. Mas que vale aquela sem essa? Vale o sofrimento de Copérnico esperando a morte, ou o acaso, para publicar a sua descoberta. (Comentários à Constituição de 1946, ed. 2ª, volume IV, páginas 153/154).
Se, na vigência daquela Constituição, que não continha regra idêntica à do art.220 da Constituição atual, o nosso jurista maior assim se pronunciava, que dizer se ele tivessse escrito nos dias atuais?
Penso, pois, que estamos diante de uma flagrante violação às normas constitucionais, não podendo prevalecer a tentativa de censura que se contém, ainda que implicitamente, no chamado PNDH-3.
» Joaquim Correia de Carvalho Jr. é advogado
Fonte:
Jornal do Commércio
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