Criminosos não merecem prêmio
Publicado em 28.02.2010
Já tratamos aqui, mais de uma vez, sobre a questão da maioridade criminal, um tema em pauta há vários anos, em especial a partir de fevereiro de 2007, quando três bandidos armados – um dos quais menor de idade – foram responsáveis pela morte de João Hélio, de 6 anos de idade, arrastado sete quilômetros nas ruas de quatro bairros do Rio de Janeiro. Imediatamente o Brasil inteiro, chocado, começou a discutir se um menor de idade podia ser bandido, cometer crime hediondo, e ficar impune, normalmente sujeito apenas ao período de reclusão em um estabelecimento apropriado para menores, sujeito a medida sócio-educativa até alcançar a maioridade e a liberdade.
Esse complexíssimo problema brasileiro passa nos dias correntes por mais um teste de tolerância e capacidade de ser, se não resolvido, pelo menos explicado para que a média dos brasileiros entenda. É o caso do enquadramento de um dos autores da morte de João Hélio, o então menor e hoje adulto Ezequiel Toledo, no programa de proteção financiado pelo Estado. Uma decisão tecnicamente aceitável, mas que implicaria em conceder regalias que vêm gerando profunda indignação social e reação de instituições como o Ministério Público, que recorreu de decisão do juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro e teve acolhida do desembargador Francisco José de Azevedo, que anulou a decisão do juiz Marcius da Costa Ferreira.
Ao que parece, pelo menos no primeiro momento a decisão do desembargador pacificou a sociedade ante o cenário de impunidade que se desenhava. Entretanto, é forçoso admitir que o juiz que reconheceu o direito à liberdade de um jovem sobre o qual pesa um crime hediondo deu sustentação a um direito. E aí é que entra em debate a questão sempre recorrente da maioridade criminal, que parece à primeira vista uma medida inquestionável, considerando o crescimento do índice de criminalidade de jovens com idade abaixo dos 18 anos. Aqui mesmo já explicitamos exemplos de legislações mais rigorosas em outros países, como Inglaterra e Estados Unidos, mas também exortamos maior atenção para as nossas peculiaridades, onde o problema da infância e da juventude não pode ser tratado como um problema de polícia.
O que causa a indignação nacional, porém, é associar a libertação de um dos responsáveis pela morte brutal de uma criança de 6 anos à impunidade que parece contemplar o banditismo em todos os níveis. É certo, a prisão de um governador pela primeira vez em nossa história atenua um pouco esse sentimento de impotência, mas uma coisa é olhar para o conjunto como uma ideia, outra ficar diante de um caso, seu personagem e sua história assombrosamente revoltante. Uma coisa é olhar para a história de Ezequiel à luz do que dizia Nina Rodrigues - médico e antropólogo brasileiro - em seu elogio ao primeiro Código Penal da República, que reduziu a menoridade de 14 para 9 anos de idade, outra é visualizar o rosto de João Hélio, a forma como foi morto, e nos perguntar se pode haver nas leis ou no conhecimento da natureza humana alguma coisa que atenue a brutalidade do crime.
É inaceitável o elogio a essa visão de jardim da infância para a maioridade criminal, que Nina Rodrigues fundava na ideia de raças inferiores, conceito que repugna o sentimento de nosso tempo, mas para compreender o sentido da discussão necessariamente temos que dirigir nossos olhos também para a morte de um inocente de 6 anos em circunstâncias tão trágicas e tão distantes de qualquer exercício acadêmico. Na verdade, o que parece mover hoje toda a nação brasileira é menos a discussão teórica e mais o sentimento de revolta diante da aparente impunidade, dessa espécie de prêmio ao crime que foi concedido em primeira instância e, felizmente, revisado em instância superior.
Fonte:
Diário de Pernambuco
Publicado em 28.02.2010
Já tratamos aqui, mais de uma vez, sobre a questão da maioridade criminal, um tema em pauta há vários anos, em especial a partir de fevereiro de 2007, quando três bandidos armados – um dos quais menor de idade – foram responsáveis pela morte de João Hélio, de 6 anos de idade, arrastado sete quilômetros nas ruas de quatro bairros do Rio de Janeiro. Imediatamente o Brasil inteiro, chocado, começou a discutir se um menor de idade podia ser bandido, cometer crime hediondo, e ficar impune, normalmente sujeito apenas ao período de reclusão em um estabelecimento apropriado para menores, sujeito a medida sócio-educativa até alcançar a maioridade e a liberdade.
Esse complexíssimo problema brasileiro passa nos dias correntes por mais um teste de tolerância e capacidade de ser, se não resolvido, pelo menos explicado para que a média dos brasileiros entenda. É o caso do enquadramento de um dos autores da morte de João Hélio, o então menor e hoje adulto Ezequiel Toledo, no programa de proteção financiado pelo Estado. Uma decisão tecnicamente aceitável, mas que implicaria em conceder regalias que vêm gerando profunda indignação social e reação de instituições como o Ministério Público, que recorreu de decisão do juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro e teve acolhida do desembargador Francisco José de Azevedo, que anulou a decisão do juiz Marcius da Costa Ferreira.
Ao que parece, pelo menos no primeiro momento a decisão do desembargador pacificou a sociedade ante o cenário de impunidade que se desenhava. Entretanto, é forçoso admitir que o juiz que reconheceu o direito à liberdade de um jovem sobre o qual pesa um crime hediondo deu sustentação a um direito. E aí é que entra em debate a questão sempre recorrente da maioridade criminal, que parece à primeira vista uma medida inquestionável, considerando o crescimento do índice de criminalidade de jovens com idade abaixo dos 18 anos. Aqui mesmo já explicitamos exemplos de legislações mais rigorosas em outros países, como Inglaterra e Estados Unidos, mas também exortamos maior atenção para as nossas peculiaridades, onde o problema da infância e da juventude não pode ser tratado como um problema de polícia.
O que causa a indignação nacional, porém, é associar a libertação de um dos responsáveis pela morte brutal de uma criança de 6 anos à impunidade que parece contemplar o banditismo em todos os níveis. É certo, a prisão de um governador pela primeira vez em nossa história atenua um pouco esse sentimento de impotência, mas uma coisa é olhar para o conjunto como uma ideia, outra ficar diante de um caso, seu personagem e sua história assombrosamente revoltante. Uma coisa é olhar para a história de Ezequiel à luz do que dizia Nina Rodrigues - médico e antropólogo brasileiro - em seu elogio ao primeiro Código Penal da República, que reduziu a menoridade de 14 para 9 anos de idade, outra é visualizar o rosto de João Hélio, a forma como foi morto, e nos perguntar se pode haver nas leis ou no conhecimento da natureza humana alguma coisa que atenue a brutalidade do crime.
É inaceitável o elogio a essa visão de jardim da infância para a maioridade criminal, que Nina Rodrigues fundava na ideia de raças inferiores, conceito que repugna o sentimento de nosso tempo, mas para compreender o sentido da discussão necessariamente temos que dirigir nossos olhos também para a morte de um inocente de 6 anos em circunstâncias tão trágicas e tão distantes de qualquer exercício acadêmico. Na verdade, o que parece mover hoje toda a nação brasileira é menos a discussão teórica e mais o sentimento de revolta diante da aparente impunidade, dessa espécie de prêmio ao crime que foi concedido em primeira instância e, felizmente, revisado em instância superior.
Fonte:
Diário de Pernambuco
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