Opinião – Que comunicação queremos?
Ao analisar o cenário das comunicações em nosso país, nos deparamos com um quadro problemático para o desenvolvimento de uma democracia plena. Além do grande número de meios privados em relação aos públicos, estatais, comunitários e populares, há uma extrema concentração nas mãos de poucos grupos empresariais, que controlam grande parte das emissoras de rádio e televisão e gerem seus negócios de acordo com uma lógica comercial, deixando de lado seu caráter de concessão pública.
Como concessão pública, as emissoras devem respeitar uma série de regras e critérios que estabelecem seu funcionamento dentro das bases do que deve ser um serviço à população brasileira. Dessa forma, assim como a propriedade rural tem uma função social e deve ser desapropriada para fins de reforma agrária caso não a cumpra, as concessões devem ser revistas caso as emissoras violem regras relacionadas à quantidade publicidade (não deve sobressair ao conteúdo), exigência de veiculação de um mínimo de conteúdo regional (produzido pelas emissoras locais), educativo e jornalístico, e à difusão de programas que firam a dignidade humana.
Contudo, o que costuma ocorrer no Brasil é a renovação automática das concessões de rádio e televisão, sem a necessária revisão de suas condutas por parte do Estado e sem que hajam instrumentos de participação popular nestes processos. Assim, o caráter público das concessões é substituído por interesses comerciais e ideológicos das grandes empresas de mídia, com respaldo do poder público. Basta analisar a questão da mudança do fuso horário do Acre, que atendeu aos interesses do maior conglomerado de comunicação brasileiro, as Organizações Roberto Marinho (da qual a TV Globo faz parte), em detrimento das necessidades sociais e culturais da população acreana, entre outros exemplos de subserviência do Estado ao “quarto poder”.
Em relação ao conteúdo, não é preciso procurar muito para perceber que praticamente todos os canais da televisão aberta descumprem cotidianamente as determinações presentes nos artigos 221 da Constituição Federal[1] e no Código Brasileiro de Telecomunicações. Para entidades e organizações de defesa dos direitos humanos, a questão que mais chama a atenção é a veiculação repetida e insistente de conteúdo racista, sexista, homofóbico, que torna a concessão pública um canal de transmissão e reforço de preconceitos e violência.
E a população quase não encontra instrumentos para se proteger de tais violações e exercitar o controle social dos meios de comunicação, previsto na Carta Magna, exatamente porque as concessões não são encaradas como serviços públicos, e sim como negócios privados. As grandes empresas de comunicação costumam atacar essa discussão acusando-a de ser uma tentativa de censura à programação. Alguns evocam inclusive a atuação dos censores durante a ditadura militar (1964-1985), colocando os meios empresariais como paladinos da democracia em contraponto à tentativa de repressão por parte do Estado.
Obviamente não se trata disso. Controle social e censura são questões totalmente diferentes, pois o primeiro aponta para a efetivação dos deveres de concessões públicas, enquanto o segundo restringe a divulgação de informações que sejam conflitantes com os interesses das estruturas de poder. No artigo 220 da CF, parágrafo 3º está colocada a necessidade de "estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente".
A ABONG considera o fortalecimento do controle social da comunicação fundamental para o avanço da democracia no Brasil e defende as iniciativas que apontem para este caminho, como a consolidação de conselhos, ouvidorias e outros instrumentos presentes em tantos países.
Entre essas iniciativas está a realização da primeira Conferência Nacional de Comunicação, marcada para acontecer entre os dias 1 e 3 de dezembro deste ano. Os movimentos sociais envolvidos com a sua construção, assim como a ABONG, esperam que a Conferência seja um espaço de debate e avanço no sentido de estabelecer mecanismos de controle social da mídia. É necessário que a Conferência paute também outros temas caros à democratização da comunicação no Brasil, como o combate aos monopólios e à propriedade cruzada dos meios e a defesa das rádios comunitárias, constantemente perseguidas e criminalizadas pelo Estado.
extraído do site da ABONG
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