Dinheiro do Pronasci engavetado
Levantamento da Fundação Getúlio Vargas, feito a pedido do Ministério da Justiça, constatou que 4 Estados e 53 municípios nem sequer tocaram na verba
Jailton de Carvalho
Agência O Globo
BRASÍLIA – Tratado como prioridade absoluta em discursos políticos, principalmente em campanhas eleitorais, o combate à violência ainda é retrato do desleixo de parte da administração pública do País. Monitoramento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) constatou que, até julho deste ano, 14 Estados e 53 municípios haviam recebido verbas do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), mas deixaram o dinheiro parado em contas bancárias. Os “engavetadores” do dinheiro da segurança correspondem a mais da metade dos 21 Estados e 109 municípios inscritos no Pronasci.
Os recursos deveriam ser aplicados em programas sociais e de reforço da segurança nas áreas afetadas pela violência. O Pronasci é um programa federal que destina recursos a áreas com índices acima de 29 mortes por 100 mil habitantes. Em 2006, a taxa nacional de homicídios ficou em 26,6. A FGV fez o levantamento a pedido do Ministério da Justiça.
“Estados e municípios que precisam de investimentos urgentes estão tendo dificuldades de gastar o que têm. Isso é grave”, disse o professor Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Do início do ano até agora, o Ministério da Justiça repassou aos Estados e municípios vinculados ao Pronasci R$ 1,1 bilhão, quase o valor integral do fundo do programa, que é de R$ 1,4 bilhão. Mais da metade dos beneficiários das verbas especiais do Pronasci receberam os recursos, mas não aplicaram o dinheiro.
A partir da constatação, o ministro da Justiça, Tarso Genro, enviou cartas a prefeitos e governadores pedindo explicações. Numa das cartas, Tarso relata o repasse de R$ 317 mil a um município de Pernambuco, um dos Estados mais castigados pela violência. Só na Região Metropolitana de Recife, o número de homicídios é superior a 60 por cada grupo de 100 mil habitantes, o que coloca a cidade no nível de Bogotá ou Medellín no auge do narcotráfico.
O município mencionado na carta do ministro esnobou os recursos. “Levando-se em consideração que os Estados, municípios e Distrito Federal são os principais protagonistas do Pronasci, foi repassado ao município, por intermédio de convênio, o montante de R$ 317 mil. Entretanto, conforme levantamento da situação física e orçamentária do Pronasci, apurada em julho de 2009 pela FGV, verificou-se que não houve movimentação financeira”, adverte Tarso.
Numa tabela, anexa ao documento, o ministro descreve que o governo federal repassou R$ 29,4 mil para a elaboração do plano municipal de segurança e R$ 288 mil, em duas parcelas, para o programa local chamado Caminho da Paz.
“Alguns Estados e municípios não aplicam os recursos e apresentam pedidos de mais verbas para outros projetos. Alguns ficam com os recursos parados mais de oito meses”, confirmou o secretário nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri.
O ministério não divulgou a lista dos Estados e cidades que não usam o dinheiro que têm. Prefere esperar o resultado das visitas de técnicos federais a esses locais para saber o que está ocorrendo. O ministério sabe que a revelação de alguns casos poderá ter impacto nas eleições do ano que vem, quando, novamente, a segurança pública voltará a ocupar espaço nos debates públicos.
“Só podemos falar sobre o assunto no próximo dia 29 (terça-feira), quando haverá a reunião do Comitê Gestor do Pronasci”, disse o secretário-executivo do programa, Ronaldo Teixeira.
“Muitos projetos foram apresentados às pressas. Tinham recursos e apresentaram projetos. Agora estão tendo dificuldades de implementar esses projetos”, afirma Ignacio Cano.
Publicado no Jornal do Commércio em 27.09.2009
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