segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Elas apanham, mas também batem

Elas apanham, mas também batem

Pesquisa da Fiocruz revela que 87% das adolescentes brasileiras já sofreram alguma agressão do namorado, mas elas revidam quase na mesma proporção

Fernanda Aranda
Agência Estado

SÃO PAULO – Antes de virar mulheres, elas já viveram a experiência da agressão do parceiro, que pode ser um garoto conhecido na festa do último fim de semana. No entanto, entre os casais jovens, as meninas não ocupam só papel de vítimas, mas também de autoras dos maus-tratos.

Pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), feita com jovens entre 15 e 19 anos de todo o País, identificou que 87% das adolescentes já vivenciaram formas de violência com namorados ou ficantes. “Atestamos, porém, que as garotas estão agredindo quase que na mesma proporção do que os meninos”, afirma a autora do estudo, Kathie Njaine, que tabulou os 3.205 questionários, recolhidos nas cinco regiões.

Na pesquisa, relacionamentos efêmeros foram suficientes para reunir episódios agressivos. “Beliscões, empurrões, tapas, xingamentos, ofensas e humilhação pela internet foram formas de agressão citadas pelos entrevistados”, diz Kathie, que afirma não ter atestado diferenças regionais nos números. “No geral, a prevalência de agressão é alta e surpreendente.” Os dados estão sendo interpretados e devem virar um livro.

Os índices de agressão equiparados entre garotas e garotos podem ser explicados por outros levantamentos que já identificaram aumento no comportamento destrutivo por parte das garotas. As menores de 15 anos, segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Unifesp, representam o único grupo etário que usa tantos entorpecentes quanto meninos de mesma idade (5% em média). Nas outras faixas, há diferença significativa entre os gêneros.

O Inquérito sobre Saúde do Paulistano, recém-divulgado pela Prefeitura de São Paulo, mostra que o número de mulheres que dizem beber de uma a três vezes por semana passou de 12,4% em 2003 para 19,8% ano passado, crescimento não atestado entre homens.

Drogas e álcool, que há mais tempo frequentam a vida desses jovens, são combustíveis de agressividade, afirmam especialistas. “A igualdade delas no consumo de substâncias psicoativas aumentou o envolvimento em atos mais violentos”, acredita a médica Vilma Pinheiro Gawryszewski, que coordenou o Núcleo de Combate à Violência de São Paulo. “A droga atrapalha o autocontrole. Tudo é exacerbado, incita a violência. Isso é mundial.”

Ainda que o uso de entorpecentes esteja por trás das agressões praticadas pelas garotas, isso não anula, na visão dos especialistas, a importância da iniciação precoce da violência entre os jovens casais, fenômeno antes só associado à fase adulta. No estudo da Fiocruz se identificou que muitas meninas não terminam o relacionamento por medo das ameaças.

Na Casa do Adolescente, unidade de saúde de Pinheiros, Zona Oeste da capital paulista, duas meninas amedrontadas pediram proteção policial por ameaças dos namorados. Não pareciam ser as únicas. Hematomas, depressão, medo e tristeza eram recorrentes entre outras pacientes da casa. “Decidimos inserir a violência nos relacionamentos como tema de nossas dinâmicas, o que se mostrou tão importante quanto a relação sexual”, diz a coordenadora do Programa de Saúde do Adolescente, Albertina Takeuti.

ELOÁ

A imagem da garota mais bonita da escola pedindo calma, com semblante de pânico, pela janela do edifício de Santo André, região do ABC Paulista, é a mais citada pelas meninas e meninos quando questionados sobre a violência entre os casais jovens. Eram as últimas horas de vida de Eloá Pimentel, transmitidas em rede nacional.
Ela foi assassinada no fim do ano passado, aos 15 anos, por tiros disparados pelo ex-namorado ciumento, Lindemberg Alves. Ele, antes de chegar ao ápice da agressividade, costumava dar mostras de seu comportamento com chutes e empurrões contra a menina.

Publicado no Jornal do Commércio em 27.09.2009

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