Conferência precisa avançar em relação ao controle social da mídia
Entre os dias 1 e 3 de dezembro de 2009, o Brasil vai realizar sua primeira Conferência Nacional de Comunicação. Nos últimos anos, houve um aumento na quantidade de setores que organizaram conferências - espaços de debate democrático em que é feita análise e proposição de políticas públicas, com a participação de organizações e sujeitos que se atuam nas mais diferentes áreas.
Alguns setores organizam conferências que se tornaram referências, como a de saúde, que tem peso político superior ao do Ministério, ao aprovar as políticas públicas para o campo e fiscalizar sua implantação. Entre os outros campos que organizam conferências estão educação, cultura, segurança pública, igualdade racial e direitos humanos.
Por ser a primeira edição, a Conferência de Comunicação tem o desafio de abordar temas importantes para a democratização do setor ao mesmo tempo em que enfrenta dificuldades por conta de inúmeras disputas. Sua comissão organizadora, instituída pelo governo, foi montada com uma super representação do setor empresarial – sete entidades representativas das empresas, o mesmo número de assentos que a sociedade civil, algo que não acontece em nenhuma outra conferência.
Após sucessivas discussões, o setor empresarial se retirou quase que completamente da Comissão Organizadora (sobraram duas entidades), apesar de o governo ter cedido em praticamente todas as suas exigências. Os editoriais dos grandes jornais passaram a atacar a Conferência, alegando que os movimentos sociais querem impedir a participação dos empresários no processo e mexer com seus interesses comerciais.
As propostas da sociedade civil para regimento interno, proporcionalidade e quantidade de delegados foram derrotadas pelos interesses dos empresários. Além da adesão do governo aos interesses do setor, contribui para esse quadro a ausência de um movimento forte de luta pela democratização da comunicação. Algumas entidades da sociedade civil inclusive aderiram às propostas do governo alegando que rechaçá-las poderia comprometer a realização da Conferência.
Diante deste quadro, a possibilidade da CONFECOM aprovar propostas que realmente influam no cenário de concentração e monopólio das comunicações no Brasil é pequena. Questões como propriedade cruzada dos meios, regionalização da programação e produção, espaço para emissoras comunitárias na tv aberta e controle social da mídia não devem ser debatidas a fundo.
Mecanismos de controle social
Segundo Bia Barbosa, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a questão do controle social da mídia é pauta histórica não só dos movimentos que lutam especificamente pela democratização da comunicação, mas de organizações de mulheres, direitos humanos, deficientes, crianças e adolescentes, movimento negro, LGBT, entre outros. Afinal, trata-se de grupos permanentemente estigmatizados por representações preconceituosas veiculadas diariamente pela mídia comercial.
Começando pelas novelas, telejornais e comerciais que oferecem uma representação estereotipada da mulher como objeto de consumo e deleite masculino, passando para exemplos menos velados de exploração de tragédias e misérias, como os programas de auditório que exibem brigas de casais, contam histórias “bizarras” e chegando aos casos mais evidentes, as “pegadinhas” e programas de “humor” que humilham negros e negras, homossexuais e deficientes, concluímos que boa parte da programação disponível descumpre a legislação que determina que o conteúdo exibido pela TV não pode ferir a dignidade humana.
Para Bia, o único caminho que a sociedade dispõe para lutar contra esse tipo de violação é a justiça, pois faltam mecanismos institucionalizados de controle social dos meios de comunicação. Segundo ela, a sociedade já criou alguns instrumentos, como a Campanha pela Ética na TV, cujo lema “quem financia a baixaria é contra a cidadania” está focado nos anunciantes que compram espaços publicitários de programas que expõem indivíduos e grupos sociais ao ridículo. Mas apesar da parceria com a Secretaria de Direitos Humanos, a campanha não é um órgão do Estado.
Outro exemplo de avanço foi a veiculação dos programas Direitos de Resposta. Em 2006, uma série de organizações da sociedade civil, atuantes no campo da comunicação, direitos humanos, relações de gênero, etnia e diversidade sexual conseguiram, em parceria com o Ministério Público Federal, tirar do ar por um mês o “Tarde Quente”, atração de “pegadinhas” do “humorista” João Kleber, na Rede TV!. Além de exibir conteúdo impróprio para o horário (meio da tarde), descumprindo a classificação indicativa, o programa era um show de violações aos direitos humanos.
Além de pagar uma multa, a Rede TV! foi obrigada a exibir durante o período o programa “Direitos de Resposta”, uma produção das organizações envolvidas na ação contra o “Tarde Quente”. A cada dia, o “Direitos de Respostas” deu espaço para as discussões e reivindicações de movimentos populares e organizações da sociedade civil, abordando temas como reforma agrária, reforma urbana, comunicação popular, hip hop, cultura regional, cotas para negros, direitos das mulheres, enfim, tudo o que não costuma estar presente na grande imprensa comercial.
Mas, apesar desses exemplos, ainda há muito para ser feito. Para Bia Barbosa, a dependência do Poder Judiciário não ajuda o tema a avançar. “Precisamos de agências reguladoras, ouvidorias e canais de monitoramento acessíveis à população, como existe em outros países”, afirma.
Conferência de Comunicação
Apesar da Conferência de Comunicação ser um espaço em que a questão do controle social deveria ser debatida, é possível que isso não aconteça por conta da correlação de forças desfavorável já descrita. Para Bia Barbosa, a Confecom precisaria discutir quais mecanismos e de que forma a sociedade pode interferir no espaço das concessões. “Os empresários encaram qualquer tentativa de debater controle social como censura”, coloca. “A mesma coisa aconteceu quando o governo propôs a criação da Ancinav ou a sociedade debateu a necessidade de instituir a classificação indicativa de programas de televisão. O setor empresarial ameaçou não participar da Confecom caso o temário incluísse o termo “controle social” e o governo também está contra a inclusão”, afirma Bia.
Já a sociedade civil defende que o controle social seja tema prioritário na Conferência e não admite que seja feito esse corte. Existe a tentativa de aproximar setores que não tratem diretamente do tema da comunicação, mas que se sintam estigmatizados por ela para lutar pela realização deste debate na Confecom. Segundo Bia, pode ser que o temário da Conferência, que deve ser concluído nos próximos dias, traga o termo “participação popular” ao invés do temido “controle social”.
A questão do controle social da mídia não envolve apenas o conteúdo, ou seja, o monitoramento da qualidade da programação, mas também a participação da sociedade na formulação e controle da implantação de políticas públicas para o setor, como acontece nos campos da educação e saúde. Bia acredita que a população deve se apropriar deste debate e participar dos espaços que podem definir avanços para a democratização da comunicação no Brasil. “Precisamos pressionar o Estado para o cumprimento das leis que já existem e determinam condutas para os meios e regras para as concessões, que são públicas. Elas existem e não estão apenas na Constituição, mas em uma série de estatutos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção de Belém do Pará e a Convenção da ONU contra a discriminação racial de Durban. Ambas determinam que os países signatários lutem para que seus meios de comunicação não veiculem conteúdo discriminatório e preconceituoso”, conclui.
Extraído do site: http://www.abong.org.br/final/informes_pag.php?cdm=20078
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