Mato, logo existo
O psicanalista José Carlos Escobar avalia que o ato de matar ou mandar matar faz parte da cultura da sociedade pernambucana. “Quando se fala em matador, é preciso pensar que vivemos numa cultura em que matar está presente. Não só os perversos matam. Há os que matam para sobressair, para atingir um certo status. Essas pessoas vivem bem em nossa sociedade. Se nós não apertamos o gatilho com elas, pelo menos damos uma forcinha nos omitindo.”
Pernambuco é o único Estado brasileiro que sempre esteve entre os cinco mais violentos do País, desde que as mortes por agressão passaram a ser catalogadas pelo Ministério da Saúde em 1980. Em 26 anos do ranking do Datasus (os dados mais recentes são de 2006), Pernambuco apareceu 15 vezes em 1º ou 2º lugar entre os Estados com maior taxa de homicídios.
José Carlos Escobar conhece bem essa realidade. Em dezembro de 2005, o irmão dele, o também psicanalista Antônio Carlos Escobar, foi assassinado em uma tentativa de assalto na Zona Sul do Recife. Um adolescente de 16 anos atirou e atingiu Antônio Carlos no pescoço. “Mais de uma pessoa se aproximou da nossa família para perguntar se nós não queríamos ‘resolver’ o caso”, recordou Escobar. Resolver, nesse contexto, significa matar o adolescente que cometeu o crime.
“Sempre soube que meu irmão não voltaria mais. Podem matar dez, vinte... O que eu perdi, eu perdi. Não recuperaria nada. Estarei sempre no prejuízo. O sentimento de perda é irreparável, aconteça o que acontecer. Há pessoas que chegam a mim e dizem: ‘O rapaz que matou seu irmão morreu?’ Respondo que sim. ‘Não vou lhe perguntar mais nada.’ Fico pensando, será que ela não quer mais falar porque acha que é um assunto que eu não gosto de mencionar ou por que cogita que eu mandei matar? É como se as pessoas esperassem isso”, avaliou o psicanalista.
Em março deste ano, o jovem que assassinou o psicanalista Antônio Carlos Escobar foi morto com um tiro no peito, no dique de Brasília Teimosa, Zona Sul do Recife. A polícia afirmou que o crime era resultado de uma rixa.
“O Estado falhou quando esse garoto foi preso pela primeira vez. Falhou quando ele fugiu e matou meu irmão. Falhou novamente ao tentar recuperá-lo e, por fim, falhou definitivamente quando ele escapou mais uma vez e acabou assassinado”, finalizou Escobar.
Para o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e especialista em sociologia urbana José Cláudio Alves, matadores, sobretudo os que integram grupos de extermínio, têm na busca por poder a explicação principal para seu comportamento. O professor estudou centenas de casos de extermínio na Baixada Fluminense, no Rio, nos anos de 1990 para compreender o mecanismo que deflagra as relações de vida e morte em uma das áreas mais violentas do País.
“Esse poder é político, financeiro ou social. Aquele que mata ou que tem acesso a quem mata acaba sendo uma peça importante dentro de uma sociedade. Há um lucro em matar. Para cada tipo de indivíduo ou organização esse lucro vai variar”, ponderou o professor da UFRRJ.
RANKING
Rio de Janeiro e Pernambuco se aproximam no ranking nacional da violência. Considerando as 26 edições do Datasus, do Ministério da Saúde, os dois Estados apresentam a mesma taxa média de homicídios no período: 41 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. Entre os Estados do Nordeste, apenas Alagoas aparece entre os cinco mais violentos do País. Já São Paulo, que vem experimentando reduções significativas na taxa de homicídios a partir de 1999, deixou a lista dos campeões de assassinatos desde 2003.
Publicado no Jornal do Commércio em 13.09.2009
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